domingo, 7 de dezembro de 2014

credulidade

Aconteceu há uns dias e anda a remoer-me. Tinha sido um dia merdoso igual aos outros dias merdosos. Uma coisa desagradávelmente comum nos últimos tempos. Estava coberta por um sentimento de impotência absurdo, uma nuvem negra sobre o futuro daquelas que esconde o horizonte debaixo de nevoeiro...

Recebi uma mensagem de fb daquelas parvas. Não sei quê os anjos perceberam as tuas amarguras e vão salvar-te. Tive uma epifania. Por uns segundos senti um alivio imenso, como se existissem mesmo anjos. Como se pudesse deixar de estar naquele estado de constante martirio, como se fossem realmente salvar-me. Depois qualquer coisa dentro de mim me lembrou que não existem entidades superiores com sentido de justiça que corrijam a merda que os (H)omens fazem.  

Será que deus é isto? Será que é um fenomeno semelhante ao que não nos deixa sonhar que morremos? uma defesa contra o inexorável?

Vi um filme indiano há uns tempos em que o personagem principal aconselhava o companheiro que estava em panico a bater sobre o coração e dizer "tudo está bem, tudo está bem, tudo está bem" ao que ele riposta: "para que vou fazer isso, tudo vai estar igual." e ele elucida: "Ora, tudo estará igual, mas o teu cérebro estará mais livre para encontrar uma solução quando estiver despreocupado."

Talvez seja essa a grande valência de Deus. O baluarte na tempestade que desvia as preocupações, para que a pessoa possa encontrar uma solução por si. Um conceito tão poderoso como a moeda FIAT. Não existe, mas na prática tem valor. Uma abstração que depende da credulidade de quem a usa..

Ando a lutar contra a vontade de me fazer valer dele. Ás vezes detesto ser uma criatura tão racional e materialista. Parece-me que tudo seria mais fácil se fosse uma pessoa mais crédula, mais mistica. Precisamente por ser racional, sei que seja lá o que a vida for, no máximo será o somatório das experiências que ocorrem até deixar de respirar. O paradoxo é que essa experiência é, dentro de um contexto de religiosidade moderada - melhor.

É melhor acreditar que vou rever pessoas que foram importantes para mim que já faleceram. É melhor acreditar que existe alguma coisa, uma força superior que sabe o que "é certo" e se encarrega de o fazer valer. É melhor acreditar que não há fim para esta coisa que ás vezes não sei bem para que serve, mas que não consigo sentir que seja natural terminar, digo, a minha consciência. É melhor mesmo que não seja verdade. Porque a forma de viver acreditando ou não é inteiramente diferente. Sente-se tudo de forma diferente.

É claro que é discutível se isso é melhor para os outros que estão à volta de quem acredita que pode cruzar os braços e deixar que a força universal se encarregue de fazer o que o próprio pode ter oportunidade de fazer... mas digo para si. Para o crente.

A vida é sempre melhor para o crente. Custa-me admitir isto, mas parece-me à luz dos factos irrevogável.