sábado, 15 de março de 2014

co-adopção abéculas e bogalhos

Este deve ser um dos temas mais manipulados e mal tratados dos últimos tempos. Todos os artigos que li são superficiais e evadem o cerne da questão. Tinha-me escapado a intervenção do Daniel Sampaio no parlamento, que curiosamente, não vi sequer mencionada em qualquer uma das principais publicações... Não sei se diz alguma coisa acerca do profissionalismo com que abordaram este assunto... mas deixa-me muito apreensiva.

Uma vez que ele fez uma exposição mais profunda e certamente mais diplomática do que eu faria, dei-me ao trabalho de transcrever a audição, que pode ser consultada no site do artv:

20130719Audição de Daniel Sampaio

source:http://milosrajkovic.tumblr.com/

Mas antes... um prefácio em jeito de desabafo.

Co-adopção difere de adopção, porque no primeiro caso ao contrário do segundo, se legisla uma familia que já existe, em que não existe um segundo progenitor com direitos sobre a custódia da criança, mas existe uma figura parental que não é reconhecida para efeitos legais. Ou seja, em caso de morte do progenitor, a criança é retirada à sua família nuclear e entregue ao membro mais próximo da família biológica. Quero realçar aqui a interrupção abrupta daquilo que a criança reconhece como o seu núcleo familiar, em favor do "status quo".

O facto de se ter uma opinião sobre qualquer coisa, não muda essa coisa. A realidade macroscópica não está sujeita aos mesmos trejeitos do mundo quântico onde o observador modifica o que observa. Estas famílias existem independentemente do descontentamento dos moralistas que se passeiam nos espaços de comentário... relacionando a família, portanto aquilo que uma pessoa saudável associaria com almoços, jantares, trabalhos de casa, escolha de universidades, dentistas, vacinas, o apoio na descoberta do que significa estar vivo e fazer parte de uma sociedade... com o anus ou a vagina das figuras parentais. Estes orgulhosos moralistas, homens de família, sim normalmente estes desabafos são de homens com h minúsculo... advogam que "a familia" é uma pilinha e uma vagina, completamente absortos da realidade, que é diversa. Não contentes com imaginar que todas as famílias têm obrigatoriamente uma pilinha e uma vagina, estão convictos que as únicas representações de género com que as crianças convivem são os progenitores. Portanto que "a familia", a imediata, é uma bolha impermeável absolutamente determinante na identidade da criança.

A ignorância é um mal que nos atinge a todos mais tarde ou mais cedo. Eu própria quando me deparei com esta questão a primeira vez, subscrevi à noção que existiria uma diferença mensurável entre uma criança numa família tradicional e uma criança numa família não convencional... mas não confiando no meu intuito.. dado que não conhecia sequer um caso onde isto ocorre-se, fiz uma coisa chocante: fui informar-me! Estava  errada. O consenso actualmente é que o género das figuras parentais, per si, não é relevante para a saúde mental da criança.  Além disto o conceito de família é muito mais permeável que aquela coisa que todos temos no imaginário do Adão e da Eva.

Nisto, finda o desabafo.


19/07/2013 - Audição de Daniel Sampaio

Muito boa tarde a todos os senhores deputados, muito obrigado por esta possibilidade de poder  exprimir o meu ponto de vista sobre este projecto de lei. Queria também agradecer a disponibilidade que tiveram para poder responder à minha dificuldade de horários neste momento do ano lectivo porque além de muitas consultas hospitalares que estão a aumentar devido à crise, estou também em processo de avaliação de duas cadeiras da faculdade e portanto os meus horários estão um bocadinho restritos. Agradeço muito a possibilidade de ouvirem mesmo assim.

Eu tenho três pontos nesta minha exposição inicial e depois terei obviamente à vossa disposição para o que quiserem perguntar e esclarecer. Em primeiro lugar eu penso que o verdadeiro debate tem a ver com  a questão da adopção por casais do mesmo sexo e não sobre co-adopção. Acho que a  grande questão que devia surgir na sociedade Portuguesa devia ser a possibilidade do instituto de adopção ser alargado aos casais do mesmo sexo. Essa é que é a questão fundamental e devo-vos dizer que eu intervi muito pouco no recente debate porque achei que as pessoas não estavam a falar do verdadeiro problema, o verdadeiro problema que está latente e em discussão na minha opinião não é o projecto de lei mas é se os casais do mesmo sexo podem adoptar ou não. Quero deixar bem clara a minha posição  de que.. a minha posição é completamente favorável à adopção por casais do mesmo sexo por razões que mais adiante poderei esclarecer.

Devo-vos dizer aliás que no projecto de lei os próprios legisladores  dizem essa questão, quando dizem a certa altura “não se trata portanto para já de revisitar temas como o de largamente o instituto de adopção a todas as pessoas, solução que a bem da verdade tudo incluiria.” Penso que aqui está o cerne da questão, esta é a verdadeira questão e esta é a solução que tudo incluiria.  Se houvesse vontade política e se fosse votada a questão da adopção todas estas questões ficariam resolvidas e portanto parece que o debate enfermou deste terrível equivoco de estar a discutir uma lei que é uma lei.. um aspecto muito particular e com o qual eu estou absolutamente de acordo, também deixo isso bem claro, mas queria dizer que me parece que a grande questão que teremos que mais tarde ou mais cedo enfrentar na sociedade Portuguesa é a questão da adopção por casais do mesmo sexo. Segundo ponto: Eu queria tentar separar também duas questões que me pareceram também no debate  que se seguiu à  proposta de lei de alguns dos senhores deputados que estão aqui presentes.. que é uma confusão que me parece lamentável, que é a confusão entre aquilo que é natural, da natureza biológica.. tradicional, progenitor, ou seja, portanto daquilo que nós podemos considerar mais tradicional que é o casal ser constituído por um homem e uma mulher e portanto as crianças terem um pai e mãe de sexo diferente. Isso por um lado, por outro lado a confusão existe entre aquilo que é biológico e natural e a confusão existe porque confundiu-se sistematicamente a paternidade biológica com a parentalidade.  Eu acho que esta questão foi muito equivoca, lançou a confusão na sociedade Portuguesa e as duas coisas têm de ser claramente separadas porque ser progenitor não significa ser pai à partida. Progenitor é aquele que, como a palavra indica, que fornece os genes, portanto a paternidade biológica.  Evidentemente um estatuto extremamente importante que sempre tem de ser tido em conta, não se pode legislar sobre crianças e sobre famílias   sem ter em conta os vinculos biológicos são essenciais e basta nós vermos nas questões  por exemplo de guarda pós divorcio, de responsabilidades parentais como muitas vezes essa questão aparece e é importante que apareça quem são os pais biológicos e quem são os padrastos e as madrastas e quem são os pais efectivos. Sendo essa questão importante não pode ser confundida porque: o que é que é ser pai e mãe? Ser pai e mãe é exercer a parentalidade. Este conceito de parentalidade não é um conceito muito antigo, é um conceito relativamente recente. Nós podemos dizer da segunda metade do sec. XX. Alguns programas de computador ainda assinalam como erro a palavra parentalidade, o que eu acho muito interessante. Então o que é que quer dizer a parentalidade? A parentalidade quer dizer a capacidade de ser pai e mãe. Esta capacidade de ser pai e mãe na minha opinião não está reduzida aos pais e mães biológicos. Deve ser atribuída ás pessoas que têm capacidade de exercer essa parentalidade. O que é que nós podemos avançar e definir o que é que é parentalidade? Bom, parentalidade são as pessoas, adultos, que têm capacidade para transmitir segurança. A possibilidade de poderem a nível da saúde das crianças, zelar pela  saúde das crianças zelar também e procurar... estar, fornecer sustento. Porque as crianças não podem sobreviver sozinhas, portanto compete ás pessoas que exercem a parentalidade: segurança, a saúde, o sustento.  Devem ser aqueles que são responsáveis por dirigir a sua educação, a todos os níveis. Devem ser aqueles que os representam quando eles têm menos de 18 anos, portanto as pessoas mais novas como sabem têm que ter um representante e esse representante é aquele que exerce a parentalidade, não é obrigatório que seja o pai ou a mãe biológica. É aquele que está responsável pela educação  da criança, e basicamente e era isto  que eu queria acentuar, são as pessoas que são responsáveis pelo cuidar. São as pessoas que cuidam das crianças e que têm capacidade de cuidar das crianças. Esta expressão cuidar não é muito clara em português, os ingleses têm uma expressão muito mais interessante que é a expressão “to care” e esta expressão do “care”, tomar conta, do cuidar, fornecer afecto, fornecer segurança, fornecer um contexto que seja propício ao desenvolvimento da criança, esta questão de cuidar, não está fatalmente e irrevogávelmente atribuída  ás pessoas que são pais e mães biológicos. Esta faculdade é atribuída às pessoas que num determinado momento da evolução da criança, a têm a seu cargo e são capazes de transmitir esse cuidado.

Eu num texto que escrevi, procurei definir um pouco melhor o cuidar e disse que cuidar é evitar dependências emocionais, porque toda a educação desde o primeiro momento de vida, desde que o bebé existe, a educação deve ser fortemente contra a dependência e aqui falo contra os psiquiatras e os psicólogos passamos a vida a trabalhar crianças e jovens que têm dependências emocionais graves em relação aos seus pais. E portanto a educação é a educação para autonomia. Cuidar é qualquer coisa que deve evitar a dependência emocional que impede a autonomia. A autonomia de uma criança pode-se por exemplo ver com um ano de idade, a capacidade que ela tem de se afastar dos seus pais e poder explorar um território, explorar o mundo sem ter necessidade de agarrar ao pai ou à mãe. Portanto, a capacidade de avançar na exploração do mundo e a educação deve ser nesse sentido. Uma criança de um ano não deve andar sempre ao colo dos pais porque já sabe andar e pode explorar o mundo. Mas dizia eu, evitar dependência emocional que impede a autonomia, mas exige a dimensão ética de reparar o outro. Portanto quem cuida de uma criança, movimento fundamental, de uma criança ou adolescente é reparar nas necessidades, naquilo que o adolescente ou a criança está neste momento a sentir. Nas crianças deve pressupor o estimulo para que possam expressar-se por si mesmas desde muito novas como eu acabei de dizer. Atenção á linguagem que usam com os adultos e a descoberta guiada sobre o que está certo/errado no mundo à sua volta. Portanto a parentalidade deve configurar, na minha opinião, uma educação moral, uma educação que tenha a ver com o reconhecimento da criança e ajudar a criança a reconhecer o mundo  e desde muito cedo a criança saber escolher, adequadamente á sua idade aquilo que está certo ou errado.

O segundo ponto que eu queria aqui dizer é que me parece que em cada momento da vida de uma criança nós devemos ter um ou dois adultos que sejam responsáveis pelo seu cuidar e fatalmente não é necessário, como é óbvio, no meu ponto de vista, que essas pessoas tenham de ser os progenitores. Peço desculpa de evocar a minha própria experiência, mas a maior parte da minha experiência é ver aquilo que nós designamos por pais biológicos tóxicos. Portanto são pais biológicos, mas por razões muito diversas que seria ocioso explicar aqui, são pais que exercem comportamentos lesivos em relação aos seus filhos e uma das grandes tarefas da psicologia e da psiquiatria é justamente poder proporcionar à criança e ao adolescente a possibilidade de ser autónomo e em muitos casos, embora preservando sempre a importância dos laços familiares, ajudar a criança e o adolescente a prosseguir sem ficar dependente dessa toxicidade. Ou seja, há muitos pais biológicos que têm de fornecer os genes, são os progenitores, mas não são as pessoas mais capazes de exercer a parentalidade. Desculpem o parentises mas, no meu serviço estivemos justamente esta manhã a encaminhar através do tribunal um jovem de 17 anos que a familia se recusou a ficar com ele. São pais que eu poderia designar por pais tóxicos, havia muita violência familiar e portanto a solução depois de terapia familiar, de psico farmaco terapia, de terapia individual, de acompanhamento dos pais, de intervenção do serviço social, do internamento em psiquiatria, a solução que nós conseguimos foi que ele fosse para uma instituição. Coisa que para nós é um pouco contra a nossa maneira de trabalhar, mas não tivemos de facto outra saída. Eu dou este exemplo que foi de hoje e que me emocionou muito porque é um exemplo de pais biológicos que não foram capazes de cuidar deste jovem  dos 0 aos 17 anos. A história deste jovem está cheia de toxicidade parental e dificuldades relacionais. Oxalá ele tivesse um casal de avós, um casal de pai e mãe adoptivos, uma família de acolhimento que pudesse tomar conta dele. Não foi isso que aconteceu e terminou numa instituição, com as dificuldades que há de deslocar um jovem de 17 anos por mandato judicial para Castelo Branco. São esses exemplo que eu na minha pratica tenho todos os dias no serviço que dirigo de Unidade de adolescentes do hospital de Santa Maria.


Terceiro e último ponto, senhores deputados. Não se pode neste momento pensar em qualquer legislação que toque a família sem perceber que a família de hoje é apenas um espaço emocional.
Aquilo que nós precisamos de perceber é que temos que garantir ás crianças e aos jovens de hoje, um espaço de emoções relativamente tranquilo, sem que as funções parentais possam ser exercidas com principio meio e fim, aquelas que acabei de referir no ponto numero 2. As famílias são hoje em dia realidades muito diversas. Temos como sabem, famílias com pai e mãe. Temos famílias com só pai ou só mãe. Temos familias reconstruidas ou re-constituidas. Temos famílias com casais do mesmo sexo. Temos uma quantidade enorme de organizações familiares.  O que é importante ver em termos das crianças e em termos daquilo que se designa “do supremo interesse da criança” ou do “superior interesse da criança”, o que interessa ver é se aqueles adultos que estão ali naquele momento, são capazes de assegurar isso ou não. Uma parêntesis para dizer que não está definido e devia estar definido, o que é que se entende pelo supremo interesse da criança. Já tenho visto os maiores atropelos aos interesses da criança, usando esse slogan. Chamo à atenção dos senhores deputados, está uma petição na Assembleia da República em que um grupo de pessoas, pede justamente que a Assembleia da República clarifique o que entende por superior interesse da criança. Penso que todos ganharíamos muitíssimo com isso. Quando nós pensamos falar sobre a família, temos que perceber qual é o ambiente familiar, temos que avaliar. Temos que verificar se naquele momento, naquele momento da vida da criança, ou das crianças, do adolescente ou dos adolescentes, se aqueles adultos que lá estão à volta são capazes de exercer a parentalidade. É mais importante a parentalidade que a paternidade biológica para o desenvolvimento da criança. Não estou a dizer que a paternidade biológica não seja importante, estou a dizer que a parentalidade com as componentes que falei à bocado é mais importante.

O que me parece importante é que se faça avaliação da situação e que sobretudo se compare, que foi outra coisa que eu não vi, não ouvi.. Que se compare o que é uma criança numa instituição e uma criança que vive num ambiente familiar, dentro do ambiente familiar com todas as situações que acabei de dizer, com todas as configurações familiares e outras como acabei de dizer. Ou seja, o que me parece importante é num determinado momento, o que é que é melhor, pegando por exemplo no jovem de hoje? Provisoriamente é melhor que ele esteja numa instituição, mas evidentemente seria muito melhor que ele saísse da sua família biológica para uma família de acolhimento ou para qualquer instituição, aaa.. qualquer agregado familiar de adultos, que não seja institucional. Portanto e com isto termino a questão da discussão cientifica à volta deste tema, parece-me senhores deputados e com as minhas desculpas altamente equivoca, porque eu sou um académico, não é? O meu trabalho, neste momento, na fase em que estou.. enfim, que sou professor catedrático e tenho vários assistentes e professores auxiliares e professores associados e essas coisas todas, o meu trabalho é justamente avaliar estudos. Não é possível em nenhum estudo cientifico, dizer que ele é isento de erros. Não é possível. Todos os estudos seguem determinadas metodologias e todos os estudos são susceptíveis de critica. Portanto eu não concordo e queria deixar isso bem claro. Não concordo que se diga que a ciência demonstra que as familias heterosexuais são melhores que as famílias homossexuais, mas também não concordo, como eu já vi no jornal publico, que se diga as famílias de pessoas do mesmo sexo têm maior capacidade de educar os seus filhos. Esses estudos são carregados de ideologia, parece-me a mim. Esta discussão não é uma discussão cientifica, porque na discussão cientifica nós nunca podemos chegar a uma verdade absoluta. Porque as metodologias são tão diversas, as variáveis que nós estamos a apreciar nos estudos são tão complexas, são tão entre-crusadas, há tantos factores, que evidentemente nós podemos dizer que um estudo é mais robusto que outro, com certeza que sim, isso é possível dizer. Mas dizer que esta família é melhor que outra é muito difícil.  O que me parece que a ciência pode demonstrar e aí com alguma segurança  é: quando uma criança ou um adolescente é educado numa instituição, contra um meio familiar. Instituição versus um meio familiar, ai há muitos estudos que indicam, que a progressão do ponto de vista da saúde mental da criança é mais problemática quando está numa instituição.  Portanto, voltando agora ao projecto de lei, que me parece importante era que se pudesse reflectir sobre o que é que pode acontecer às crianças que não têm um meio familiar adequado e para isso nós precisamos de criar dispositivos a todos os níveis familiares, ambientes familiares, famílias de acolhimento, melhorar a adoção. Todo esse conjunto de circunstâncias, permite que não tenhamos no futuro 11 000 crianças institucionalizadas, que é o que nós temos. Há milhares de crianças com certeza, 11 000, baixou um pouco, Estamos a trabalhar um pouco melhor, mas apesar de tudo é um número significativo e esse é que é quanto a mim o grande objectivo, o que é que se passa nas famílias de pais biológicos na sua grande maioria que levam à institucionalização de crianças como o jovem de 17 anos que eu acabei de falar e de me emocionar esta manhã, com esta situação.  Portanto termino dizendo que me parece que o projecto de lei, toca apenas uma parte do problema, porque a grande questão é a adopção por casais do mesmo sexo. Direi também a concluir que não me parece que haja nenhuma evidencia cientifica, ai posso dizer que permita concluir que  a adopção por casais do mesmo sexo seja lesiva para o desenvolvimento das crianças, acho que isso se pode afirmar. Agora quando se diz que é melhor ou pior ai já não consigo afirmar isso. Olhando de uma forma global para os estudos, o que eu acho que se pode concluir com alguma segurança é que não há ,de facto, nada de lesivo quando as crianças são acolhidas em famílias com pais e.. casais do mesmo sexo. Portanto, no meu ponto de vista acho que este projecto de lei vem preencher, vem dar resposta a uma situação que já existe na prática, como aliás vem destacado no preambulo, o facto de estarmos a legislar sobre uma situação que já existe, isso tem evidentemente valor e interesse, porque permite ao nível de uma criança.  Poder ter um ambiente familiar mais apoiado na lei e isso parece-me importante, até pelos exemplos que vêm aqui e por outros que podemos encontrar. Portanto, parece-me útil este projecto de lei. Espero que em breve a Assembleia da república possa lançar o debate a nível nacional, que tem que ser um debate amplo, eu percebo que estas questões são difíceis. Um debate amplo sobre a adopção sem restrições  por casais do mesmo sexo.

Muito obrigado senhores deputados.



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Termina a intervenção ao minuto 20:10 do vídeo, prosseguem em seguida as questões das várias bancadas.


Posfácio

De destacar os argumentos do PP, que contrariamente aos moralistas da genitália, são capazes de disfarçar aquilo que é claramente uma preocupação moral, com a existência de outros mecanismos legais com efeitos semelhantes e que salvaguardando “a santidade” da paternidade, permitem exercer a parentalidade, nomeadamente o conceito de “Tutor”.

Tudo o resto foi discutido em praça publica. A permeabilidade da identidade de género, a importância de ser claro no que se entende por "superior interesse da criança", o facto de "as crianças se sentirem diminuidas" por terem duas figuras parentais do mesmo sexo ser provavelmente mais um problema dos adultos que das próprias crianças... etc etc etc  No entanto, tendo genuíno interesse em  compreender esta questão,  não dispensaria os ouvidos aos restantes 20 minutos. Pelo que recomendo que se o leitor o faça.

Parece-me que a minha orientação em relação a esta questão é muito clara. Confesso que ao contrário do Professor Daniel Sampaio, tenho alguma dificuldade em compreender a dificuldade desta questão. Especialmente no que se refere a olhar para um casal do mesmo sexo como um casal normal.. com casa, contas para pagar, empregos, debates sobre a orientação vertical dos talheres no escorredor da loiça, o numero de gatos a ter em casa... sei lá, coisas que os casais debatem e que não têm nada a ver com o kamassutra. Compreendo que a maioria das pessoas nunca sequer tenha perdido tempo a pensar nisso... O que me causa alguma confusão são as certezas absolutas que formulam, radicados naquilo que é, na maior parte das vezes, pura intuição. Intuição que vêm de alguém que nunca conviveu com a realidade sobre a qual se pronuncia.

Infelizmente a diferença entre parternidade e parentalidade foi algo que fui obrigada a descobrir por mim mesma assim que o cortex pré frontal deu sinais de vida e plena função.  Não importa porque, mas refira-se apenas que referir a figura que a lei e o dogma me impingiam como pai, como progenitor, era motivo de conforto. Admito por isso, poder ser "tendenciosa"... na importância que dou ao conceito de parentalidade e ao valor que dou ao afecto e ao exemplo, em detrimento do laço de sangue.  Talvez seja por isso que tenho tiques de "radicalismo" neste tema..

Independentemente dos motivos emocionais para que pessoalmente, tenha alguma alergia ao que envolve a inviolabilidade da "família tradicional"... Parece-me claro, pela exposição feita anteriormente pelo professor, que é relevante abandonar o dogma... Que é um tema que merece no mínimo ser perscrutado e reflectido. Sobretudo pelas crianças! Pelo "superior interesse da criança", que ainda ninguém definiu e que aparece no debate publico como um acessório semântico que se alavanca nessa obscuridade para defender os preconceitos e as más inferências de quem o usa.


Nas palavras de Leila Míccolis:
Eu não tenho vergonha
de dizer palavrões,
de sentir secreções
(vaginais ou anais).
As mentiras usuais
que nos fodem sutilmente
essas sim são imorais,
essas sim são indecentes


Termino:
Os princípios "morais" são com certeza parte importante de uma sociedade. São o que a define e admito que seja difícil reverte-los. Com o que eu não consigo compactuar é ver disfarçado aquilo que é claramente "defender a tradição" com "defender aquilo que é melhor" evitando a todo o custo definir o que se defende afinal e o que significa ser "melhor".  Quando se pretende avaliar se uma coisa é melhor que outra, o facto de estar em vigor é um factor absolutamente irrelevante para a conclusão.

Neste caso em concreto têm me chateado sobretudo o circo em que se envolveu esta discussão. Entre a troca de bitaites sobre a importância da genitalia e o que deveria por decreto divino estar-lhe associado, especialmente em artigos de opinião e infelizmente abundante nos espaços de comentário.  Têm-se evadido definir o que está realmente em causa e é por isso que me dei ao trabalho de escrever este post.

Custa-me ver um executivo que não hesitou em despedir quase metade da função pública, em cortar reformas, que falhou completamente todos os compromissos económicos com a sociedade que rege... e que agora vem falar na "importância de defender os valores".  Não é conivente.

Fará realmente sentido que o estado legisle para proteger a "moralidade", não é isso papel de outras instituições ou movimentos como a religião ou a filosofia..  Os dogmas morais merecem proteção do escrutínio secular? Qual é o real valor da tradição para uma sociedade?

Fica para outro post.






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