quarta-feira, 4 de novembro de 2015

(In)justiça Fiscal

Nem todo o rendimento nasce igual

A questão da "justiça fiscal" é um assunto muito pouco debatido e quando é, normalmente faz-se à volta da dimensão do património do indivíduo ou dos seus rendimentos. É muito raro que os impostos sobre as "pessoas colectivas" venham à praça publica e quando vêm, normalmente giram em torno do "estrangulamento da capacidade de investimento das empresas".

Um ponto interessante a considerar é o contraste que existe, entre o onus da prova que é imposto sobre um indivíduo que pretenda beneficiar de um incentivo fiscal e aquele que é posto sobre as empresas. Especialmente quando se discute o papel de ambos na sociedade. O contribuinte individual é sempre apresentado como irresponsável, inconsciente e como não estando alinhado com os interesses estratégicos da comunidade, por isso não tem uma palavra a dizer sobre como prefere contribuir para sustentar a despesa publica ou para a economia, mas é sempre obrigado a entregar o dinheiro a uma entidade central que o distribui segundo seu discernimento.  Enquanto que a "pessoa colectiva" é apresentada como idónea, responsável, consciente e tendo os seus interesses alinhados com os da comunidade, pelo que o estado lhe confia um "desconto fiscal" para que ela possa de forma autónoma contribuir para a sustentabilidade do tecido económico.

Uma empresa, não é, nem deve ser, uma instituição de caridade. O objectivo da empresa é sempre aumentar a sua rentabilidade.  Quanto maior a empresa, maior a facilidade de deslocação, menor  a pressão para alinhar os seus interesses individuais com os interesses económicos das comunidades onde opera.

Não há nada no código tributário, que obrigue a empresa a fazer prova do "bom uso" do desconto que o valor menor que paga o capital em relação aos rendimentos do trabalho, lhe oferece.

Haveriam várias formas de fazer isto, considerar os custos de investimento se ele fosse efectuado em território nacional ou considerar um factor qualquer em função dos custos do trabalho, só estes montantes teriam direito a ser tributados à taxa de "desconto".

É claro que, realisticamente,  o "desconto" não tem nada a ver com investimento, tem tudo a ver com garantir margens que permitam distribuição de dividendos.

Volto a dizer que não vejo nada de sobre-humano em querer defender os próprios interesses, não se pode esperar outra coisa, nem seria justo esperar outra coisa sem oferecer alguma contrapartida. O que pretendo com este post é expor o ridículo e a pura hipocrisia do argumento quando é contrastado com os factos.

Optimização Fiscal 

O segundo ponto que distingue as pessoas, das pessoas colectivas é a mobilidade. Uma pessoa colectiva pode mesmo estar em dois sítios ao mesmo tempo. Uma das táticas de optimização fiscal é ter duas empresas, uma que trata dos pagamentos num paraíso fiscal e uma que transacciona os produtos mais perto de onde eles realmente são vendidos. Isto permite transferir, não só os impostos sobre o lucro, mas também aqueles que respeitem ao valor acrescentado para este país mais vantajoso.   

O financial times escreveu recentemente um artigo sobre os deméritos de promover um paraíso fiscal.
http://ftalphaville.ft.com/2015/10/21/2142483/the-case-against-luxembourg/  



Irremediável?

Sejamos francos, quando falamos em optimização fiscal e os seus malefícios, obviamente não estamos a considerar o pequeno gestor que encontra forma de pagar os produtos de limpeza que usa em casa através da empresa. Dentro do quadro alargado da união europeia, estima-se 150k-190k milhões de euros em perdas fiscais, estes valores serão negligiveis. São grandes empresas multinacionais que têm capacidade para pagar as estruturas e o exercito de contabilistas e advogados necessário para ser ainda rentável proceder à criação de holdings e empresas secundárias com o único objectivo de fazer descer artificialmente a matéria colectável. 

Posto isto e considerando a sua facilidade em migrar para outros mercados, só serão possíveis efeitos se forem tomadas medidas por blocos suficientemente grandes, com poder económico suficiente - por exemplo a nível europeu -  para ser mais rentável pagar impostos que abandonar o país. 

Foi com grande alegria que descobri que existe uma organização cujo objectivo é precisamente mitigar os mecanismos que permitem estes desvios.  

O caminho a percorrer é longo, mas saber que é possível já me deixa feliz. 




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