sábado, 12 de julho de 2014

meia gente, meia verdade

Há coisas que conseguimos ignorar até convivermos de perto com elas. A questão da homossexualidade mexe comigo porque inspira crueldade gratuita. A religião e a sua promessa de um modelo de existência, um único chapéu moral que caiba em todas as cabeças. É tão absurdo como um chapéu físico de tamanho único, por mais elástico que tenha, quando se distribuir pelas cabeças se couber, não vai ser igual.

Em prole da ideia de uma segunda vida há quem abdique da única a que tem direito. Mente aos outros, mente a si próprio. Nenhuma amarra é tão forte como aquela que o próprio ata em si mesmo.


Quantos casamentos são uma farsa?  Se é injusto para quem abdica de ser quem é, quão mais injusto é para quem se entrega a quem não pode nunca, por mais que tente, entregar-se em pleno de volta? 

Aplaude-se a mentira como quem aplaude um bezerro esventrado num altar sagrado. É dor com propósito. Em favor de quem?

Nega-se a felicidade plena ao próprio e a quem não sabe ainda que a esperança que tem nunca será preenchida. 

Ás vezes os relacionamentos são isso - impedimentos. É claro que quem está num pensa sempre que é o ultimo, que é o certo, mas a realidade é que somos muitos, somos suficientes para ser impossível numa vida humana conhecer-mo-nos todos. Tantos que nem seria possível reconhecermo-nos todos. Achar que há só uma pessoa com quem ser feliz é absurdo. Impedir o outro de encontrar outra pessoa é igualmente absurdo. 

Há tanta luz nas nossas cidades que já não vemos o que está para lá do escuro. Quem está na rua de uma cidade continua a estar dentro da casa da civilização.

Fazia-nos bem olhar para cima - dá-nos uma noção de escala além da realidade imediata. Aquela luz, daquele ponto no meio de mais do que poderia contar numa noite, chega aos seus olhos potencialmente, depois de viajar milhões de anos. A do sol que está já aqui ao lado leva 8 minutos a chegar à terra. Um dia tem 86 000 segundos, o planeta tem 7000 000 000 pessoas, mais coisa menos coisa.  Se só 2% das pessoas no planeta o compreenderem, dá para fazer um país do tamanho da Alemanha só com pessoas que o compreendem. 

O amor não é um sentido como o tacto? não serve o tacto para sentir textura, temperatura, não nos diz a qualidade da superfície? Como é que isso é diferente do que podemos sentir por outra pessoa? Não nos diz se é seguro aproximar-se? Confiar? A emoção é um sentido como outro qualquer.  

Não consigo encaixar esta coisa de ser natural querer que as pessoas sofram por um ideal que não é util a ninguém. 

Mesmo que existisse um Deus qualquer. Sendo justo teria dado a todos a mesma dificuldade no teste que lhes permitiria aceder a essa tal benção eterna ou ser condenado ao sofrimento eterno. Pelo que não poderiam uns nascer com a cabeça do tamanho do chapéu e outros com uma cabeça que não cabe lá dentro. 

A natureza é cruel porque não tem consciência de si. Não sabe o que é crueldade, mas o bicho homem sabe.

"Não é a minha palavra H., é a palavra de deus."

Não disse, porque compreendo que as horas que tinha para despender no assunto não seriam suficientes para dissolver os anos de coação, mas pensei: 

"Tretas! Mesmo que fosse a palavra de Deus, seria uma palavra traduzida, recortada e colada na tua voz. Deus, nunca o ouvi. Deus, aqui e agora, és tu. É a tua opinião de Deus. O Deus de amor não é cruel." 

O tempo que ainda estiver neste planeta, ei de passa-lo a ser quem sou. Se não agradar a toda a gente, que agrade a quem agrade. Não tenho pretensão de conseguir vestir um chapéu moral que seja do agrado de toda a gente. Sei que isso é impossível. Quando morrer, tudo o que quero é ser inteira. 

Uma pessoa metade é metade vazio. Quando duas metades se juntam, não fazem uma. Metade é gente, metade é à força de não ser.  É preciso duas pessoas inteiras para um nós maior que a soma das partes. 

Não quero ser metade de ninguém, nunca pediria a ninguém para ser metade de mim, não contem comigo para bater palmas a carneiros esventrados. 

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