terça-feira, 22 de julho de 2014

O jornal que deixou de cheirar para sentir

Comecei a ler jornais com 15 anos. Na altura comprava religiosamente o expresso ao sábado. Havia qualquer coisa naquele ritual de enfiar as narinas entre o papel, esticar as folhas do jornal e enfiar-me lá dentro- sim sou pequena o suficiente para usar o expresso como xaile -  ler coisas novas, que me alegrava. Era uma experiência agradável ler o jornal. Relaxante.  

Saltam-se 15 anos e continuava a ler jornais com regularidade, lia artigos soltos no publico, no diário económico, no expresso. Seguia  o Paulo Morais no facebook. Enfim..

O que mudou? Agora leio o jornal no computador. Já não cheira. O meio já não se sente tão presente, pelo contrário o tema das desgraças aproximou-se. Já não são coisas que acontecem aos outros. Agora quando leio o jornal, sinto que estou a ler o horóscopo.

Vou pagar mais impostos. Se ficar doente deixam-me morrer por falta de material. A divida publica aumentou. Descobriu-se mais um embelezamento de contas. Há outro banco que está para falir. O tempo estragou-me os Sabados e a realidade estragou-me a ficção.

Sim. Os problemas dos outros não são ficticios, mas sejamos francos, na prática é como se fossem.  É uma coisa que acontece à distancia e que raramente temos a energia, ou mesmo capacidade para solucionar.

Um dia percebi que estava terrivelmente deprimida e zangada com o mundo, que me tinha transformado numa pessoa amarga e rude.

Deixei de ler jornais. Agora só leio insólitos e artigos bem dispostos ou do tipo motivacional. Deixei de ver criminal minds e CSI passei a ver coisas tipo startup school e shark tank.

O mundo não mudou muito, mas mudei eu. Percebi que tenho um tempo finito para passar neste planeta, que quando morrer o que vou levar comigo é um somatório de experiências e que a minha liberdade para manipular a percepção que tenho das circunstâncias é muito superior à que tenho de manipular as próprias circunstâncias. Com o devido cuidado para não perder a noção da realidade, consigo viver uma vida tolerável e ter mais espaço mental para investir numa que possa ser agradável novamente. Se por acaso nunca chegar a ser agradável, será sempre melhor que uma vida cheia de sentimentos de impotência, raiva e tristeza. É isso que o jornal trás ultimamente.


Não sei se o Portugal que é, é o Portugal que se lê. Não pode ser. O Portugal que se lê é um doente terminal, um pedinte, um demente, um infectado... Mas há outro Portugal fora dos principais canais de comunicação. Um Portugal arrojado, diferente, alegre. Um Portugal de armas que se recusa a desistir de si mesmo.

Ás vezes quando se está perdido e não se sabe a direcção certa, vai-se por onde se sabe não ser a errada. É como no jogo do quente e do frio. Parece-me que a vida também é assim. Mais tarde ou mais cedo aparece um momento destes.

A maioria das pessoas com quem falo diz-me que o mau conhecido é melhor que o novo que não se sabe se é mau. Eu discordo absolutamente. É uma questão de lógica. A longo prazo um caminho de tentativa e erro, com passos ponderados e sem perca de memória leva a um lugar melhor, o outro não leva a lugar nenhum.

Quando os jornais começarem a falar do Portugal que pode ser melhor, volto a ler. Até lá é o roundup semanal para não me levarem presa por alguma lei pacóvia daquelas que andam na moda, ai perdoem-me a indiscrição, cagar! de repente.

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